VI
ENCUENTRO
DE ARQUEOLOGÍA
DEL SUROESTE PENINSULAR
As armas na romanização: o exemplo de
Cabeça de Vaiamonte (Monforte, Portugal)
ISBN 978-84-616-6306-4
Teresa Rita Pereira *
Resumo:
Apresenta-se a totalidade do conjunto de armas datado da IIª Idade do Ferro e de período romanorepublicano proveniente das escavações do sítio arqueológico de Cabeça de Vaiamonte, e depositado
no Museu Nacional de Arqueologia (MNA). O conjunto sidérico sugere uma forte influência das áreas
culturais celtibérica (punhal bidiscoidal, signum eqvitvm) e ibérica (falcata). Não obstante, o armamento
do período romano-republicano é aquele que se encontra melhor documentado e evidencia uma
inequívoca presença militar romana. Este espólio bélico, datado genericamente dos séculos II e I a.C.,
engloba: pilum de aba, pontas e contos de lança, pontas de dardo, pontas de seta, dardos incendiários,
balas de funda, capacetes e algemas. Apesar da ausência de contexto estratigráfico parece possível
aferir a convivência (ou convergência) do mundo indígena e dos elementos da romanização.
Abstract:
Here we present the full set of weapons, dating from the Second Iron Age and roman republican period,
from the excavations on the archaeological site of Cabeça de Vaiamonte, deposited in the National
Archaeological Museum (MNA). The Iron Age set suggests a strong influence from Celtiberian
( idis oidal dagger, signvm eqvitvm) and Iberian (falcata) cultural areas. Nevertheless, the arming of
Roman Republican period is one that is better documented and expresses unequivocal evidence of a
nd
st
Roman military presence. This war set, generally dated from the 2 and 1 centuries BC, covers: pilum,
spearheads and butts, dart points, arrowheads, slingshots, helmets and handcuffs. Despite the lack of
stratigraphic context it seems possible to assess the coexistence (or convergence) of the indigenous
world and the elements of romanization.
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Bolseira de doutoramento FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia/ UNIARQ – Centro de Arqueologia, Universidade de Lisboa
INTRODUÇÃO
O sítio arqueológico de Cabeça de Vaiamonte, localizado no distrito de Portalegre, concelho de Monforte (Coordenadas UTM: Lat. 39º 5´ 2 , Lo g. º ´
, C.M.P. : 25000, folha 384, Monforte), encontra-se num outeiro isolado que
se destaca claramente na paisagem pela sua implantação a 393 metros de
altitude, enquadrado pelas bacias do Sorraia/Tejo e do Caia/Guadiana (Fig. 1).
Constitui um dos mais paradigmáticos sítios de habitat do nordeste alentejano e
foi alvo de várias campanhas de escavações arqueológicas dirigidas por Manuel
Heleno entre 1951 e 1964 (Fabião 1998: 151-152). Apesar do vasto conjunto
artefactual recuperado e hoje depositado no Museu Nacional de Arqueologia, os
dados de leitura arqueográfica e estratigráfica do sítio apresentam-se de difícil
extrapolação, uma vez que o registo efectuado pelos seus principais intervenientes – Manuel Heleno e João Lino da Silva, limita, em muito, a tentativa de
relacionar os materiais e a realidade ocupacional deste espaço. Desconhecem-se
por isso com exactidão quais as zonas intervencionadas, que área abrangiam e se
se terão cingido à encosta Sudeste do cabeço.
Apesar de todas estas dificuldades, e mesmo impossibilidades, a tese de doutoramento de Carlos Fabião (1998) propôs o provável faseamento de ocupação
do sítio. Na Idade do Ferro a matriz indígena encontra-se por demais evidenciada, o eada e te através do o ju to de er i a esta pilhada . U
momento transitório, de efectiva romanização do território, é igualmente
notória com os dados que a cerâmica campaniense (incluindo as imitações
regionais/locais), os numismas, as fíbulas, o armamento e a militaria transparecem.
Uma das primeiras referências conhecida sobre o sítio arqueológico foi
efectuada por Leite de Vasconcelos (
:
, ue o desig a por castro e
publica os materiais provenientes do Poço da Moura, uma nascente de água no
Fig. 1.— Mapa de localização do sítio arqueológico de Cabeça de
Vaiamonte
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sopé da serra: um capacete de bronze e uma ponta de lança de ferro. Foi
somente em 1951 que o Museu iniciou um programa de escavações, delineado
pelo então director, Manuel Heleno. Paralelamente desenvolviam-se escavações
na villa romana de Torre de Palma o que dificulta em muito, a correcta associação dos materiais a um destes sítios dada a ausência de relatórios detalhados,
mapas ou plantas para a Cabeça de Vaiamonte.
Apesar de algum do espólio ter sido publicado, outra grande parte continua
inédita. A análise de muitos dos artefactos metálicos aponta para a presença de
uma guarnição militar romana. Segundo Carlos Fabião (1996: 60; 2007: 120)
trata-se de uma ocupação datada do 1º quartel do século I a.C. e cujo abandono
se relacionaria com as guerras sertorianas, sendo que o acampamento militar
romano de Cáceres el Viejo é apontado como paralelo para a maior parte do
espólio metálico (Fabião 2007: 113). Não obstante a inequívoca semelhança
entre ambos, é agora possível efectuar uma reinterpretação cronológica à luz de
dados recentes sobre o armamento e militaria de período romano-republicano.
Fig. 2.— O sítio arqueológico de Cabeça de Vaiamonte
1. AS ARMAS DEFENSIVAS: O CAPACETE E O ESCUDO
Um dos casos de necessária reinterpretação prende-se com o capacete de liga de
cobre (Fig. 3, 1) que havia sido classificado por García-Mauriño (1993: 120, nº 49,
fig. 33) como de tipo Montefortino, C-D de Robinson ou tipo II do próprio autor
que o enquadra na 2ª metade do século I a.C. (Ibidem: 131, fig. 41). Esta
classificação ocorre com algumas imprecisões e erros ortográficos no que diz
respeito prove i ia, ue surge o o Cabeza de Vaiamonde / Vaiamonde
(Ibidem: 120-121, 124-125, 132 e 138) onde se deveria ler Cabeça de Vaiamonte/
Vaiamonte; à localização do sítio arqueológico, que de um modo generalista se
refere ape as, e o gralha, a ále tejo, Portugal (Ibidem: 120), onde se
deveria ler Monforte, Portalegre, Portugal; e mesmo ao local de depósito do
a hado, ue é des rito o o Museo Etnológico de Alemtejo (?) (Ibidem), onde
se deveria ler Museu Nacional de Arqueologia.
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Fig. 3.— Armas defensivas: capacete, ponteiras e umbo circular de
escudo; armas ofensivas hasteadas: pontas de seta (A.I-V), pontas
(B.I-II) e contos de lança (C.I-III)
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Para além destas imprecisões, e no que à classificação tipológica diz respeito, a
designação de tipo Montefortino revelou-se incorrecta ao ser revista nos
trabalhos de Michel Feugère (1993; 1994a; 1994b) que considera que esta
designação pressupunha uma origem estrusco-itálica, ao contrário de um novo
tipo identificado e designado de tipo Buggenum. Em contexto peninsular, este
tipo de capacete é finalmente identificado e alvo de publicação por parte de
Fernando Quesada Sanz (1997b) que revê os dados de García-Mauriño (1993),
mantendo no entanto a imprecisão na designação do sítio arqueológico de
proveniência (Quesada 1997b: 158, fig. 7; 159; 162) e no museu de depósito do
achado (Ibidem: 163, table II).
Os capacetes de tipo Buggenum são genericamente caracterizados pela ausência
de motivos decorativos (Quesada 1997b: 159) e encontram-se datados da 2ª
metade do século I a.C. (Ibidem), geralmente associados a contextos cesarianos
(Feugère 1994a). O capacete de Vaiamonte foi assim publicado como pertencendo a este tipo (por indicação pessoal de Michel Feugère, vide Quesada 1997b:
164, nota 19), juntamente com outros exemplares do sudoeste peninsular
(Várzea de Aljezur, Mesas do Castelinho, Lacimurga, Alcaracejos) e do vale do
Ebro (Piquete de la Atalaya) (Ibidem: 159).
Este exemplar encontra-se bem conservado, excepção feita à ausência das duas
guardas-laterais, factor comum à totalidade dos exemplares peninsulares deste
tipo (García-Mauriño 1993: 97). Trata-se assim de uma arma efectuada através
do martelamento a frio de uma espessa lâmina de liga de cobre (Ibidem) que
produziu um capacete de forma semiesférica, de bordo inferior espessado,
guarda-nuca curto e plano e cuja ponteira de forma bitroncocónica parece
tratar-se de uma peça independente, fundida ao capacete a posteriori, como
parecem demonstrar os exemplares destacados como o de Mesas do Castelinho
(Fabião 1998: est. 74, nº 3) ou os dois exemplares recuperados em Vaiamonte
(Fig. 3, 2). Com base no diâmetro interno do capacete foi possível calcular o
perímetro interno do mesmo (64,62 cm), que excede entre 5 a 10 cm o perímeVI ENCUENTRO DE ARQUEOLOGÍA DEL SUROESTE PENINSULAR
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tro cefálico médio de um adulto. Segundo vários autores, estas dimensões
exageradas deverão pressupor o preenchimento do espaço interior do capacete
com madeira ou couro (García-Mauriño 1993: 97).
Quanto ao contexto do achado, este foi recolhido fortuitamente num contexto
deposicional secundário junto a um ponto de água denominado localmente por
Fonte da Moura (Vasconcelos 1929: 184), juntamente com uma ponta de lança
de ferro. Esta deposição poderá ter-se revestido de um carácter intencional e
ritual de ar as as guas , se elha ça do a hado da V rzea da Miseri órdia em Aljezur (Fabião 1998: 151). Acerca desta ponta de lança, da qual
conhecemos apenas o desenho publicado (Vasconcellos 1929: 184, fig. 54),
podemos caracterizá-la como uma ponta de lança de ferro cuja lâmina tipo
folha de loureiro e respectivo alvado apresentam comprimentos semelhantes,
e que encontra paralelo no tipo B de Rouillard para as pontas de lança de Urso
(Osuna, Sevilha) (Quesada 2008: 15, fig. 5B). Nesse local, palco de vários
confrontos bélicos em período romano-republicano, este tipo de ponta de lança
apresenta comprimentos que variam entre os 15 e os 20 cm (Ibidem: 14), não
obstante no nosso caso a ausência de escala não nos permite aferir se será esse
o caso.
No decorrer das escavações arqueológicas em Cabeça de Vaiamonte foram
recolhidas duas ponteiras de capacete provavelmente atribuíveis ao tipo
Buggenum (Fig. 3, 2). A função destes elementos estaria provavelmente
relacionada com a colocação de um penacho colorido no topo do capacete
(Bishop e Coulston 1993: 61). À semelhança do processo de fabrico do capacete
conservado, também estes dois exemplares parecem reflectir peças independentes que seriam fundidas a posteriori ao capacete. Estas duas ponteiras
apresentam formas e dimensões bastante semelhantes – bitronco-cónica com
zona inferior convexa para fundição e união ao capacete, apesar de reflectirem
pesos bem distintos: o nº 2 com 40,29 gr e o nº 3 com 23,18 gr. Esta diferença
poderá indicar distintos processos metalúrgicos. Acrescente-se ainda que estas
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ponteiras foram recolhidas na mesma camada artificial (25-50 cm), não obstante
este dado ser claramente insuficiente para permitir qualquer relação estratigráfica, pois à excepção desta nota não há qualquer indicação ao local exacto do
achado, nomeadamente a qual das sondagens efectuadas.
Foi ainda identificado um fragmento de um umbo circular de escudo com um
diâmetro externo aproximado de 15 cm (Fig. 3, 3). Este umbo poderia pertencer
a um escudo circular pequeno, caetra, ou mais provavelmente a um escudo oval,
scutum. O sítio de Lomba do Canho/Arganil apresenta um exemplar semelhante
(Fabião 2007: 124, fig. 4) com aproximadamente 15 cm de diâmetro externo, e
Tossal de Sant Miquel (García Jiménez 2011: 1032, fig. 336, nº 2041 do tipo I.1) e
Numancia IV (Ibidem: 1033, fig. 337, nº 2055 do tipo I; Luik 2010: 65, fig. I, nº 6)
apresentam escudos de diâmetro ligeiramente superior, entre os 15-20 cm. Este
tipo de u o ir ular pe ue o apli ado e es udo oval é o siderado tipi ae te ro a o , e é ge eri a e te datado do sé ulo I a.C, te do sido asso iado
o seu aparecimento às guerras entre César e Pompeu (Feugère 1994a; Quesada
1997a: 539-540).
2. AS ARMAS OFENSIVAS
2.1. Armas ofensivas de haste: pontas de seta, pontas e contos de lança, pontas
de dardo e o pilum
Serão consideradas para este estudo as pontas de seta produzidas em ligas de
cobre, apesar de se encontrarem claramente distantes do período cronológico
aqui considerado. Entre elas conta-se a presença de uma ponta tipo Palmela (Fig.
3, 4) já conhecida (Fabião 1996: 40; 1998: 175; Mataloto 2006: 95-96), bem
como cinco exemplares de ponta de seta (Fabião 1998: 175) de pedúnculo e
aletas enquadráveis no tipo C1 (dois exemplares: Fig. 3, 5), C2 (dois exemplares:
Fig. 3, 6) e C3 (Fig. 3, 7) de Ruiz Zapatero (Quesada 1997a: 459). Estes dois tipos
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de armas surgem como indicadores cronológicos para momentos distintos da
ocupação da Cabeça de Vaiamonte: a ponta tipo Palmela para uma fase
calcolítica tardia (Fabião 1998: 174; Mataloto 2006: 96) e as pontas de seta de
pedúnculo e aletas para uma Idade do Bronze Final. Não obstante e tal como
notado por Carlos Fabião (1998: 175) estas apreciações fazem-se, ainda mais
neste caso específico de ausência de contextos estratigráficos, com base no
âmbito tecnológico destes ateriais e o u pla o ro ológi o a soluto .
Veja-se a título de exemplos os casos de Castelo da Lousa onde surge uma ponta
de seta com pedúnculo de liga de cobre (Ruivo 2010: 516, Est. CLXVII, nº 126); de
Ullastret (Casas et al. 2002: 240-241, fig. 8.5) onde foi recuperada uma ponta
sobre lâmina de sílex retocada; ou o de Castrejon de Capote (Berrocal-Rangel
1989: 250) onde surgem reutilizações em época pré-romana de uma ponta tipo
Palmela, micrólitos de sílex e quartzo e dois machados de pedra polida, tendo
um deles sido recuperado junto a uma mandíbula de ovi-caprino com materiais
in situ enquadráveis no século II a.C. (um as de Sekaisa). O mesmo parece ter
sucedido no depósito votivo de Garvão (Antunes e Cunha 1986: 82-83), onde se
recuperou um machado de pedra polida possivelmente usado em um sacrifício
humano no século III a.C.
A totalidade do conjunto de armas ofensivas de haste aqui considerado encontra
no ferro a sua matéria-prima. As pontas de seta (A) apontam claramente para
uma cronologia de período romano-republicano, e formam cinco tipos distintos:
as pontas de seta de lâmina piramidal (A.I), as pontas de seta com espessamento
central (A.II), as pontas de seta de lâmina curta e plana cujo encabamento varia
entre o espigão (A.III) e o alvado (A.IV) e as pontas de seta com arpão lateral e
sistema misto de encabamento (A.V). Estão totalmente ausentes do espólio de
Vaiamonte: as pontas de seta de bronze ditas fóssil guia do orientalizante
(Quesada 1997a: 448) com nervura central espessada e arpão lateral, datadas
entre o século VII-V a.C.; bem como as pontas de seta de secção trilobada que
são comuns em período romano-republicano, surgindo por exemplo em
Numancia (Bishop e Coulston 1993: 55).
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As pontas de seta de tipo A.I (Fig. 3, 8), num total de cinco exemplares,
caracterizam-se pela lâmina piramidal maciça claramente destacada da zona de
encabamento por espigão. A relação de dimensão entre a lâmina e o espigão é
bastante variável, bem como o peso desta arma, que neste conjunto apresenta
variações entre os 10 e os 37 gr. Este tipo é coincidente com o tipo E de Urso
(Quesada 2008: 15-16, fig. 8.E) que é considerada a ponta de seta mais eficaz na
perfuração de cotas de malha. Encontra também paralelo em Numancia III e IV
(Luik 2002: abb. 190, nº 210 e abb. 90, nº 194; 2010: 69-70, fig. 4, nº 14-15) com
cronologias da 2ª metade so século II a.C. ao 1º quartel do século I a.C., no
Monte Bernorio (Torres-Martínez et al. 2012: 532, fig. 5, nº 12, 14) onde surgem
em contextos do século I a.C, e em Conímbriga (Alarcão et al. 1979: pl. XIX, nº 36
e 38). Maior variabilidade de peso apresenta o tipo A.II (Fig. 3, nº 9 e Fig. 4),
cujos pesos dos quatro exemplares identificados oscilam entre os 7 e os 51 gr.
Neste caso, as pontas de seta caracterizam-se pela simplicidade de produção,
trata-se de uma haste com espessamento central e comprimento variável entre
8 e 16 cm, cujas extremidades se encontram aguçadas: quer a proximal que seria
encabada, quer a distal que actuaria como perfurante. No Museu de Évora
encontram-se depositados dois exemplares deste tipo, provenientes do Castelo
da Lousa (Galamba 2008: 24, ME8927 e ME8928). Esta ponta de seta também se
encontra representada em Conímbriga (Alarcão et al. 1979: pl. XIX, nº 31-35),
nos acampamentos de Numancia III (Luik 2002: abb. 90, nº 190; 2010: 69-70, fig.
4, nº 16), no Monte Bernorio (Torres-Martínez 2012: 532, fig. 5, nº 1,7-8, 17-18)
onde os exemplares de maior comprimento se encontram descritos como pila
catapultaria. Já o tipo A.III (Fig. 3, nº 10) surge representado apenas por dois
exemplares e encontra paralelo nas pontas de tipo 8.B de Urso (Quesada 2008:
15-16) cuja morfologia é considerada pelo autor como adequada para a caça ou
contra inimigos desprovidos de protecção, uma vez que a sua lâmina plana e leve
não deveria obter grande qualidade perfurante. Também se encontra entre o
espólio de Conímbriga (Alarcão et al. 1979: pl. XIX, nº 41-42) e Castelo da Lousa
(Ruivo 2010: 514, est. CLXV, nº 67). O tipo A.IV (Fig. 3, 11) é muito semelhante a
Fig. 4.— Ponta de seta de ferro (38) de tipo A.I.
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este último tipo, apesar de apresentar uma lâmina de secção lenticular e o
encabamento ser efectuado em alvado. Trata-se de um tipo comum em período
romano-republicano, sendo que algumas destas pontas recebem barbelas
laterais (Bishop e Coulston 1993: 55), como no nosso tipo A.V (Fig. 3, 12) que
encontra paralelo nas pontas de tipo 8.A de Urso (Quesada 2008: 15-16), e em
Conímbriga (Alarcão et al. 1979: pl. XVIII, nº 9).
As pontas de lança classificáveis (B) surgem igualmente de dois tipos: o de lâmina
com nervura central circular ou em diamante, mais ou menos destacada (tipo I) e
o de lâmina em forma de folha de loureiro de secção lenticular ou em diamante
(tipo II). As quatro pontas de lança de tipo B.I (Fig. 3, 13) conservam
características pré-romanas quer pela sua dimensão, quer pela aresta central
que conserva e que virá a ser menos pronunciada. No caso de Cáceres el Viejo,
Günter Ulbert (1984: 105, taf. 24, nº 184) classifica-as mesmo como de tipo
Alcácer inserindo-as na Tajo-Kultur A2 de Schule. A continuidade na sua utilização é notória: ocorre tanto em contextos republicanos do século I a.C.: Cáceres
el Viejo (Ibidem), Numancia IV (Bishop e Coulston 1993: 52, fig. 22.2; Luik 2002:
abb.180, nº 132; 2010: 66, fig. 2, nº 4), Castelo da Lousa (Galamba 2008: 26,
ME8971), Mesas do Castelinho (Fabião 1998: est. 74, nº 2); como continua a ser
utilizada em contextos do século II d.C. como o exemplar recuperado na Muralha
de Adriano bem demonstra (Bishop e Coulston 1993: 110, fig. 68.1). O tipo B.II
(Fig. 3, nº 14), representado por 13 exemplares, transparece já uma preferência
claramente romana: a lâmina leve de secção lenticular ou em diamante. Estas
pontas de lança são muito comuns em contextos do século I a.C. como Cáceres el
Viejo (Ulbert 1984: Tafel 24, nº 181-183), Conímbriga (Alarcão et al. 1979: pl.
XVII, nº 2), e também em Urso (Quesada 2008: 15, fig. 5B), Numancia e Alesia
onde surgem em contextos cesarianos (Ulbert 1984: 105).
A partir do período da guerra civil cesariana (meados do século I a.C.) o pilum
começa a ser a arma de haste utilizada por todos os legionários, uma vez que é
extinta a terceira linha de triarii que levariam essas lanças pesadas (Quesada
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2008: 14). No entanto, as tropas auxiliares de infantaria iriam armadas, sobretudo, com pontas de lança leves e curtas (Ibidem), sendo este dado confirmado a
partir do reinado de Trajano (finais do século I d.C.) com inúmeras evidências
arqueológicas da utilização da lança/contus (Bishop e Coulston 1993: 109).
Como vemos, a utilização da ponta de lança por parte do exército romano é
contínua, apesar de ter sofrido algumas alterações, tal como já aqui exposto: a
dimensão é reduzida, bem como o peso; a aresta deixa de ser tão pronunciada
ou mesmo chega a ser inexistente, dando lugar a lâminas de secção lenticular e,
acima de tudo, em muitos casos deixam de necessitar do contrapeso promovido
pelos contos.
São exactamente os contos de lança que se afiguram como o maior conjunto
dentro do armamento de Cabeça de Vaiamonte, com um total de 37 exemplares.
Uma vez que a maioria surge sem qualquer indicação estratigráfica teremos que
nos basear em alguns aspectos tipológicos para distinguirmos uma provável
diacronia. Um dos principais critérios de antiguidade é o da dimensão, uma vez
que nos séculos VI e V a.n.e. facilmente atingem um comprimento superior a 25
cm (Quesada 1997: 427-429). Com base no comprimento, no diâmetro do alvado
e na secção maciça do conto foi possível efectuar uma tentativa de diferenciação
tipológica. Desta tentativa resultam três tipos diferenciados. O tipo C.I (Fig. 3, 15)
caracterizado pelo perfil cónico e por isso de secção circular é o tipo melhor
representado neste conjunto, com um total de 33 exemplares, dos quais 23 se
encontram fragmentados, três pertencem ao subgrupo C.I.a (com um peso
médio de 55 gr e comprimento médio de 12 cm) e sete ao subgrupo C.I.b (com
um peso médio de 41 gr e comprimento médio de 9,2 cm). Este tipo encontra-se
bem representado em Cáceres el Viejo (Bishop e Coulston 1993: 52, fig. 22, nº 7,
9-10), Numancia (Ibidem: nº 8, 11-12). Já o tipo C.II (Fig. 3, 16) caracteriza-se pelo
seu aspecto piramidal e de secção maciça quadrangular e encontra-se
representado por dois exemplares, um dos quais enquadrável no subgrupo C.II.b.
Encontra paralelo em alguns exemplares de Cáceres el Viejo (Ibidem: nº 10) e em
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contextos mais antigos, em Grad near Smihel na Eslovénia todos os contos de
lança recuperados e datados dos séculos III-II a.C. pertencem a este tipo. O tipo
C.III (Fig. 3, 17 e Fig. 5) destaca-se pelo seu formato cónico com botão terminal e
alvado estreito. Neste conjunto apresenta-se com apenas dois exemplares
conservados, um dos quais integrável no subgrupo C.III.b. Este tipo particular de
conto de lança encontra paralelo em Conimbriga (Alarcão et al. 1979: pl. XVIII, nº
16), em Rheingönheim, onde se encontra datado dos inícios do principado de
Augusto (Bishop e Coulston 1993: 68, fig. 35, nº 17 e 18) e na batalha de Kalkeriese datada de 9 d.C. (Rost et al. 2010: 125, fig. 8, nº 15).
Cada um dos tipos foi subdividido com base num índice morfológico criado para
o efeito e que tem por base a relação do comprimento máximo com o diâmetro
interno do alvado. Este índice só foi aplicado aos exemplares que conservam o
comprimento integral da peça. Este ritério teve por ase o Í di e criado por
Quesada Sanz (1997: 357) para a caracterização das pontas de lança. No caso dos
contos de lança a fórmula aqui criada, (comprimento máximo/diâmetro interno
máximo do alvado), criou os subgrupos a, quando o índice resultante é superior
a 10, e b, quando se situa entre 5 a 10. Quanto maior o índice, mais comprido,
estreito e pontiagudo será o conto, à semelhança do que sucede nas pontas de
lança (Ibidem).
Geralmente a distribuição destas peças é escassa, pois as pontas de lança surgem
em maior número (Ibidem: 427-429), não obstante neste caso suceder
exactamente o oposto. À medida que nos aproximamos da romanização, os
contos diminuem de tamanho e transformam-se numa arma. Segundo Fernando
Quesada (Ibidem: 431) a utilização dos contos tem algumas vantagens: podem
fixar-se ao solo quando não estão a ser usados, utilizam-se em combate depois
do inimigo estar caído para desferir o golpe fatal e penetrar a couraça e fazem de
contrapeso na haste da ponta de lança que deve pesar pouco mais do que o
conto. Guillermo Kurtz (1987) e Luis Berrocal-Rangel (1992) defendem mesmo
que poderia ser usada sozinha como ponta de arma de haste pela infantaria
Fig. 5.— Conto de lança de ferro com botão terminal
(17) de tipo C.III.
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As armas na romanizaçÃo: o exemplo de Cabeça de Vaiamonte (Monforte, Portugal) - TERESA RITA PEREIRA
1338
Fig. 6.— Armas ofensivas hasteadas: pontas de dardo (D.I-II),
dardos incendiários (D.III), pila (E.) e pila catapultaria (?) (17) de
tipo C.III.
VI ENCUENTRO DE ARQUEOLOGÍA DEL SUROESTE PENINSULAR
As armas na romanizaçÃo: o exemplo de Cabeça de Vaiamonte (Monforte, Portugal) - TERESA RITA PEREIRA
1339
ligeira (Ibidem). Esta hipótese parece bastante apropriada ao conjunto recuperado em Vaiamonte, tanto pelas suas características perfurantes (excepção
efectuada para o tipo C.III) como pelo facto das pontas de lança representarem
pouco menos de metade dos contos de lança recuperados neste sítio
arqueológico.
Prova desta teoria será uma provável evolução destes contos de lança que
originaram pontas de dardo ligeiras, como é o caso dos dois exemplares do nosso
tipo D.I (Fig. 6, 18 e Fig. 7), em tudo semelhante ao conto, excepto na secção em
diamante bastante mais efectiva na perfuração do alvo. Surgem alguns
exemplares deste tipo em Numancia (Bishop e Coulston et al. 1993: 52, fig. 22,
nº 1 e 6) e em Urso (Quesada 2008: 14-15, fig. 5.C). Trata-se de um tipo de dardo
semelhante aos dardos de balista e muito típico de contextos do século II e I a.C.
(Ibidem: 14). O tipo D.II (Fig. 6, 19) é caracterizado por uma ponta de dardo
muito espessa e pesada, em tudo semelhante às pontas de pilum, somente
distinguível pelo remate em pequeno espigão que seria colocado na haste do
projéctil. Encontra paralelo no acampamento de Numancia IV datado de finais do
século II – inícios do século I a.C. (Luik 2010: 63) onde surge descrito como
o je to de fu ç o i deter i ada (Luik
:
7, abb. 203, nº 317), em
Andagoste com uma datação da 2ª metade do século I a.C. (Ocharan Larrondo et
al. 2002: 315, fig. 2, nº 2-3) e em Monte dos Castelinhos onde surge num
contexto de destruição datado entre os anos 50 e 40 a.C. (Pimenta e Mendes no
prelo).
Nas legiões pré-reformas marianas os veteranos iam equipados com pontas de
lança e dardos, formando a linha dos triarii (Bishop e Coulston 1993: 52). Não
obstante, a partir das reformas marianas do século II a.C., as legiões romanas
utilizam dois tipos de pilum: um mais ligeiro, com ou sem alvado, que deveria ser
utilizado por tropas auxiliares e o pilum mais pesado, de aba. Em Cabeça de
Vaiamonte foram identificados cinco fragmentos de extremidades proximais e
hastes deste tipo de pilum de aba, aqui designado por E.I (Fig. 6, 25 e Fig. 8).
Fig. 7.— Ponta de dardo ligeiro de ferro (18) de tipo D.I.
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1340
Ambos os tipos encontram-se documentados no século II a.C. em Numancia
(Bishop e Coulston 1993: 51, fig. 21, 1 e 6), no contexto das guerras sertorianas
em Valentia (Quesada 2008: 14) e Cáceres el Viejo (Ulbert 1984: Tafel 24, nº 187194), e no primeiro terço do século I a.C. em La Caridad de Caminreal (Álvarez
Arza e Cubero 1999: 137). Já em Urso (Quesada 2008: 14, fig. 4), surgem apenas
os modelos mais ligeiros com e sem alvado. No entanto e como frisado por
Quesada Sanz para este caso, poderão tratar-se de armas fragmentadas, das
quais não se recuperou a extremidade proximal de fixação à haste de madeira
(Ibidem).
Mesmo entre estes cinco exemplares de placas de pilum de aba encontramos
diferenças morfológicas significativas. O exemplar mais completo apresenta
somente uma das placas de fixação de cariz rectangular com pequenas abas
laterais, os dois rebites de secção circular e parte da haste de secção circular e
cuja extremidade se encontra fragmentada e dobrada – talvez devido ao impacto
que fez com que a ponta se destacasse. Outro exemplar bastante semelhante
apresenta uma haste de secção rectangular e quadrangular, com paralelo nos
exemplares de Peñaredonda (Álvarez Arza et al. 1999: 136). Uma última peça
apresenta as duas placas de fixação, uma das quais com abas laterais, que ainda
se encontram ligadas pelos dois rebites de secção circular.
Foram ainda identificados três fragmentos de pontas de pilum que não podemos
precisar se pertencem ao tipo mais ligeiro ou pesado de aba. Não obstante, e
mesmo que pertençam ao tipo de pilum mais pesado, diferem em muito dos
exemplares mais antigos, com cronologias até finais do século II a.C. em
Castellruf (Álvarez Arza et al. 1999: 139, fig. 5), Kranj (Bishop e Coulston 1993:
fig. 21, 3), Entremont (Feugére 1993: 120) ou Ephyra (Feugére 1993: 102) e com
cronologia provavelmente mais recente no Castelo da Lousa (Galamba 2008: 27,
ME8972), onde se apresentam na sua totalidade como pontas de tipo triangular
e com aletas ou barbelas. No caso dos nossos exemplares, efectuámos uma
divisão morfológica: três deles são integráveis na forma E.1 (Fig. 6, 26) e
Fig. 8.— Fragmento de pilum de aba de ferro de tipo E.I
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As armas na romanizaçÃo: o exemplo de Cabeça de Vaiamonte (Monforte, Portugal) - TERESA RITA PEREIRA
1341
apresentam extremidades piramidais, apesar de terem diferentes secções de
haste, sendo uma circular e outra rectangular. Um outro exemplar de tipo E.2
(Fig. 6, 27) apresenta extremidade cónica e haste mais fina de secção quadrangular.
Poderão também pertencer a este grupo duas armas de arremesso de ferro, às
quais não sabemos se devemos atribuir a designação de pilum, dado não termos
encontrado qualquer paralelo morfológico para as mesmas. Neste caso, tratamse de armas relativamente curtas com extremidade distal piramidal maciça (Fig.
6, 29) e triangular lenticular (Fig. 6, 28) em que a extremidade proximal não se
encontra fragmentada e por isso não apresenta nem placas de fixação, como nos
exemplares mais pesados; nem alvado, como nos mais ligeiros; nem tão pouco
um botão terminal como nos exemplares de Numancia IV (Luik 2010: 67-68, fig.
3,3-4) ou de Cáceres el Viejo (Ulbert 1984: 107, tabla 24, 187), que para além do
mais apresentam comprimentos consideráveis, ao contrário dos de Vaiamonte
com dimensões relativamente reduzidas (20 e 25 cm respectivamente). Podemos
sugerir que se trate de pila catapultaria, apesar de a forma de encabamento
diferir da maioria dos exemplares de alvado. O único exemplar desta categoria
de armas de artilharia de torção que se assemelha vagamente ao nosso exemplar
de ponta piramidal sem alvado foi recuperado em Numancia IV (Luik 2002: 354,
Abb.188, nº 182; 2010: 70, fig. 4, nº 4) onde se encontra datado de finais do
século II a inícios do I a.C.
2.2. Para uma identificação dos dardos incendiários
O tipo de dardo D.III é ge eri a e te desig ado por dardo i e di rio , tratase de uma arma de ferro construída com um propósito específico: ser lançada
com material em combustão. Em Urso foram recolhidos 83 exemplares, sendo
que alguns destes ainda conservavam restos de tecido a envolver a ponta e
muitos deles se apresentavam queimados (Quesada 2008: 16). O tipo D.III.1 (Fig.
6, 20) apresenta semelhanças com os projécteis de ballista, sendo que não
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As armas na romanizaçÃo: o exemplo de Cabeça de Vaiamonte (Monforte, Portugal) - TERESA RITA PEREIRA
1342
parece ter o peso típico desses exemplares. Trata-se de um dardo ligeiro, com
alvado, lâmina pouco perfurante de secção rectangular e arpão lateral que
receberia o material inflamável. Apesar de não serem idênticos, aproximam-se
de alguns dos exemplares de Grad near Smihel na Eslovénia (Horvat 2002: 186,
pl. 16, nº 26-27).
O tipo D.III.2 recebia esse material incendiário na extremidade triangular, sendo
que não apresenta alvado nem arpão lateral. A forma poderá variar no que diz
respeito às distintas dimensões da lâmina e do espigão, tendo sido criadas três
variantes. O subtipo D.III.2/1 (Fig. 6, 21) apresenta-se como o maior conjunto, e é
formado por hastes longas de secção quadrangular ou rectangular em que o
espessamento triangular na extremidade distal é mais evidenciado. O peso
apresenta uma variabilidade entre os 27 (três exemplares), 47 e 97 gr. A maioria
(quatro exemplares) apresenta virote ou virote duplo, que facilitaria o seu
encabamento em hastes de madeira (Quesada 2008: 16). Para além de Urso,
onde estão relacionados com os ataques cesarianos à muralha, este subtipo de
dardo incendiário encontra paralelo no Castelo da Lousa (Galamba 2008: 24,
ME8936) e em Cáceres el Viejo (Ulbert 1984: tafel 37, nº 376 e 377). O estado de
conservação e a difícil distinção entre este último tipo de dardo incendiário e
uma simples haste indeterminada de ferro faz com que as referências a este tipo
de arma sejam muito escassas, ou que em alguns casos sejam publicadas como
pontas de seta (no caso do Castelo da Lousa) ou como grampos (em Cáceres el
Viejo).
Os dois exemplares do subtipo D.III.2/2 (Fig. 6, 22-23) apresenta uma
extremidade distal triangular longa e em forma de lâmina de secção triangular,
desproporcional face ao espigão de encabamento curto e fino. Em um destes
exemplares (Fig. 6, 23 e Fig. 9), surge ainda uma pequena reentrância triangular,
que funcionaria provavelmente como base de sustentação do material
incendiário. No entanto, existe ainda a hipótese de se tratar de uma ponta e
encaixe de ferro para um arco composto. As semelhanças com os exemplares
Fig. 9.— Dardo incendiário de ferro (23) de tipo D.III.2/2
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As armas na romanizaçÃo: o exemplo de Cabeça de Vaiamonte (Monforte, Portugal) - TERESA RITA PEREIRA
1343
produzidos em osso e sobejamente conhecidos no mundo romano são evidentes
(Bishop e Coulston 1993: 79, fig. 43, nº 1-4). O arco composto terá sido utilizado
nos séculos II e I a.C., quando reaparecem as pontas de seta de ferro, algumas
com pedúnculo e aletas, como em Numancia, Urso ou Azaila (Quesada 1997:
464). Já o subtipo D.III.2/3 (Fig. 6, 24) apresenta uma homogeneidade de
espessura entre a extremidade triangular e o espigão. Em ambos os casos
encontram-se semelhanças com alguns dos exemplares de Grad near Smihel na
Eslovénia (Horvat 2002: 187, pl. 17, nº 23-28 e 9/21-22).
Como vimos, no caso dos dardos incendiários mais comuns de tipo D.III.2 é da
aior i port ia ue estas apare tes hastes de ferro o e e a ser
identificadas e publicadas no âmbito dos contextos de arqueologia militar
ro a a repu li a a. ápesar de algu as destas hastes sere fa il e te
reconhecíveis como dardos incendiários, nomeadamente pelo espessamento
característico de forma triangular de uma das extremidades, ou pelo virote de
encabamento, a verdade é que muitas delas – provavelmente devido à acção
directa do calor, encontram-se fragilizadas e fragmentadas, o que dificulta ainda
mais a sua correcta identificação.
2.3. O aspecto extra-peninsular da funda
A presença dos dardos incendiários é – à semelhança dos projécteis de funda,
um dos exemplos de elemento extra-peninsular, ou seja, de tropas romanas ou
auxiliares não hispanas (Quesada 2008: 17). No caso da utilização da funda, um
bom fundeiro tinha de aprender a arte desde muito novo e os melhores eram
recrutados sob a figura de mercenários nas ilhas Baleares e em Rodes (Quesada
1997: 475). Estão identificados três momentos da sua utilização na Península
Ibérica: na conquista (século II a.C.), como em Numancia (Luik 2010: 70, fig. 4, nº
17-18); no período sertoriano (cerca de 75 a.C.), como Azaila, La Caridad de
Camino Real e Fosos de Bayona; ou no período cesariano, como em Urso
(meados do século I a.C.) (Quesada 1997: 476).
VI ENCUENTRO DE ARQUEOLOGÍA DEL SUROESTE PENINSULAR
As armas na romanizaçÃo: o exemplo de Cabeça de Vaiamonte (Monforte, Portugal) - TERESA RITA PEREIRA
1344
O conjunto de cinco glandes plumbeae (Fig. 6, 30-34) afigura-se interessante,
nomeadamente pela presença de dois exemplares decorados: um deles
apresenta aquilo que parece ser um phallus em baixo-relevo (Fig. 6, 30), já
conhecido em contexto itálico – Perugia, onde se encontra datado cerca de 40
a.C. (Keppie 1984: 124, fig. 36, nº 11); e o outro apresenta uma cartela
uadra gular, e trada a peça, o u
X e
aixo-relevo (Fig. 6, nº 32).
Duas das glandes aqui apresentadas foram alvo de uma acção de conservação e
restauro que alterou notoriamente a superfície da peça, e que neste último caso,
parece ter afectado a inscrição (Fig. 6, 32-33). No conjunto de projécteis de
funda recuperados no Cerro de las Balas conhece-se um exemplar semelhante
o artela su uadra gular e trada o LXIII e
aixo-relevo (Pina Polo et
al. 2006: fig. 2, nº 14) a que se atribui a Legio XIII, fundada em 57 a.C. por Júlio
César. Podemos assim, e de forma cautelosa, avançar com a proposta de este X
inscrito ser referente à Legio X Equestris, também fundada por César em 62 a.C.
A título de exemplo, afigura-se i teressa te a o paraç o do X produzido
nesta glans, e aquele que surge nos denários de Marco António, em cujo anverso
se alude à Legio X.
Todos os projécteis de funda de Cabeça de Vaiamonte apresentam uma forma
oliviforme e foram produzidos em molde bivalve, apresentando em todos os
casos as marcas transversais da junção das duas metades – como no caso dos
exemplares de Mértola (Guerra 1987: 166, 175, fig. 2, 1), tendo sido por esse
motivo que todos foram integrados no tipo F.I. O peso médio deste conjunto é
de 64 gr, muito semelhante à média do conjunto do Castelo da Lousa com 60 gr
e próximo da média de 56 gr de Mértola (Ibidem: 170, quadro 2).
2.4. A prevalência das criações peninsulares: o punhal bidiscoidal e a falcata
Os punhais bidiscoidais (G.) apresentam-se como um dos grupos melhor
representado, com um total de 10 fragmentos (quatro de empunhadura, cinco
de lâmina e um de talão). Sabemos da ligação destes punhais ao mundo
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As armas na romanizaçÃo: o exemplo de Cabeça de Vaiamonte (Monforte, Portugal) - TERESA RITA PEREIRA
1345
Nº
Tipo
Matéria
35
G.I.
Ferro e
prata
X
G.I
36
Empunhadura
(*)
Decoraçao
Rebites
(*)
Lâmina
(*)
Secçao da
lâmina
(*)
Guarda
de mao
(*)
Peso Comp.
Máx.
Comp. Largura Contexto
máx.
da
lâmina lâmina
Cronologia
(*)
Paralelos (*)
X
III e II a.C.
/finais do
IV a.C. ao
III d.C. (?)
Quintanas de Gormaz, Mas de Barbarán, Numancia, Puig
de Agua (SP) / Las Cogotas, La Osera (SP) e
dois exemplares descontextualizados / Alleriot (FR),
Mali Drinic (CR), Maguncia (DE), Utrecht (NL)
X
X
III e II a.C.
Quintanas de Gormaz, Mas de Barbarán, Numancia, Puig
de Agua (SP)
X
X
Sonda XIX,
camada A,
0,27-0,75 m
125 a.C. a
5 d.C.
Carratiermes, El Raso., Osma, Cáceres el Viejo, Monte
Cildá, El Molón (SP), Oberaden (DE)
7,85
cm
X
X
50-75 cm
125 a.C. a
5 d.C.
Carratiermes, El Raso., Osma, Cáceres el Viejo,
Monte Cildá, El Molón (SP), Oberaden (DE)
98,86
gr
27,9
cm
24 cm
4,8
cm
Sonda X,
Inícios III a.C.
camada B,
ao I d.C.
2,20 m
X
70,61
gr
20,6
cm
17 cm
4,55
cm
75-100 cm
Século II e
I a.C.
Numancia, La Osera, Osma, Ucero, Punto de Agua,
Carratiermes, Cáceres el Viejo, El Raso, Arcóbriga, Pinilla
del Toro (SP), Torre de Palma (PT)
Plana (D.)
X
53,15
gr
13,75
cm
12 cm
3,5
cm
X
Século II e
I a.C
Numancia, La Osera, Osma, Ucero, Punto de Agua,
Carratiermes, Cáceres el Viejo, El Raso, Arcóbriga, Pinilla
de Toro (SP), Torre de Palma (PT)
esteliforme
(B.)
X
65,55
19,8 cm 18,6 cm
gr
4,5
cm
1 m.
Meados III
Uxama, Numancia, Carratiermes, La Azucarera, Quintanas
a.C. a
de Gormaz (SP)
inícios I a.C.
gumes
paralelos
lenticular
X
107,01
17,4 cm 16,3 cm
gr
4,15
cm
X
Meados III
Uxama, Numancia, Carratiermes, La Azucarera, Quintanas
a.C. a
de Gormaz (SP)
inícios I a.C.
X
X
X
7,39 gr 5,8 cm
X
Sonda 25-50
cm
globular
Damasquinada
(F.)
X
23,59
gr
9,15
cm
X
X
X
X
X
Ferro
globular
X
1/2/3/6 A;
4C/D/E
X
X
X
14,49
gr
4,6
cm
X
G.II
Ferro e liga
de cobre
arestas
radial (B.)
7A
X
X
abatido
96,20
gr
10,5
cm
X
G.II
Ferro
arestas
X
1A
X
X
X
12,48
gr
37
G.III
Ferro
X
X
4/AC
pistiliforme
esteliforme
(B.)
X
38
G.IV
Ferro
X
X
4/6/7A
base
alargada
esteliforme
(B.)
X
G.IV
Ferro
X
X
X
base
alargada
X
G.V.
Ferro
X
X
4A; 4C; 6A; gumes
7A
paralelos
39
G.V.
Ferro
X
X
4/6/7A; 4C
X
G.
Ferro
X
X
X
X
X
Ucero, Osma, Quintanas de Gormaz, Castillejo,
El Raso, Palencia, Julióbriga, Arcóbriga (SP)
X
(*) segundo Kavanagh de Prado (2008)
Tabela 1.— Quadro tipológico dos punhais bidiscoidais
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1346
celtibérico (Kavanagh 2008: 8) e da sua adopção pelos romanos, dando mais
tarde origem ao pugio (Fernández et al. 2012: 203). De acordo com a tipologia
apresentada por Eduardo Kavanagh de Prado (2008), a maioria do nosso conjunto (ver Tabela 1) oferece uma datação entre os séculos II e I a.C., à excepção de
dois fragmentos de empunhaduras globulares de ferro, um dos quais decorado
com prováveis damasquinados de prata e/ou ouro, e que deverão situar-se entre
os séculos III e II a.C.
Estes dois fragmentos de ferro de empunhadura globular (Ibidem: 23) serão
enquadrados no nosso tipo G.I. Já aqui foi referido que um dos exemplares
apresenta uma profusa decoração damasquinada de prata ao longo da
empunhadura. Se por um lado a forma da empunhadura parece aludir aos
exemplares mais antigos, a verdade é que a técnica decorativa utilizada associase aos punhais bidiscoidais no século III a.C. e é recuperada, sendo utilizada
profusamente em exemplares romanos encontrados em contextos peninsulares
e extrapeninsulares (Ibidem: 46). No caso do exemplar de Vaiamonte (Fig. 10, 35)
o motivo reproduzido é bastante semelhante aos óvulos que surgem em várias
formas decoradas de terra sigillata. Trata-se de um exemplar de difícil enquadramento tipológico, quer pela própria ausência de contexto estratigráfico, quer
pelo seu estado de conservação e escassez de paralelos contextualizados.
Com base no tipo de empunhadura temos os paralelos contextualizados de
Quintanas de Gormaz, Mas de Barberán, Numancia e Puig de Agua com
cronologias entre a 2ª metade do século III e finais do II a.C. (Ibidem: 23). Se
tivermos por base a técnica decorativa aplicada, apenas os exemplares de La
Osera e Las Cogotas com cronologias do século IV-III a.C (Ibidem: 46) se
encontram contextualizados.
O tipo G.II represe ta o tipo de e pu hadura ue surge o o po te e tre os
modelos peninsulares e romanos: a empunhadura de arestas (Ibidem: 25). O
exemplar melhor conservado (Fig. 11 e Fig. 10, 36) apresenta uma empunhadura
de arestas de liga de cobre, com guarda-de-mão abatido e decoração
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1347
Fig. 10.— Armas ofensivas: punhais bidiscoidais (G.I-V) e falcata
(H.1). Equipamento militar: baínha e elemento de baínha;
algemas ou grilhões (J.I-II)
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1348
radial incisa junto aos orifícios circulares dos rebites e decoração ziguezagueante
obtida em molde aplicada em anel no topo do pomo. Esta empunhadura
conserva ainda no interior das duas placas de liga de cobre, que formam o
exterior, um fragmento de talão e duas placas interiores de ferro. Todos estes
elementos encontram-se ligados por seis rebites de secção circular de ferro e
possuem um peso aproximado de 100 gr. Apesar da ausência de contextos
estratigráficos fidedignos, é importante salientar que este punhal bidiscoidal
surge em associação directa (Sonda XIX, a ada á, ,
a u a fí ula de
dis o que poderá ser enquadrada no século I a.C. (Fabião 1998: 118) e que
encontra paralelo em um exemplar da Lomba do Canho. Foi ainda possível
identificar outro fragmento de empunhadura de arestas de ferro, cujos nós
apresentam dimensões bastante reduzidas, especialmente quando comparadas
com os exemplares de tipo globular. A ausência deste tipo em Numancia sugere
uma data post quem de 133 a.C. para o seu aparecimento, sendo que o mesmo
já foi utilizado em acampamentos peninsulares romanos como o de Cáceres el
Viejo (cerca de 80 a.C.) e Monte Cildá (26 a.C.-50 d.C.) ou no acampamento
romano extra-peninsular de Oberaden (11-7 a.C.) que parece documentar uma
adopção romana do modelo (Kavanagh 2008: 27).
As lâminas de punhais bidiscoidais foram agrupadas por tipos: o tipo G.III é
correspondente à lâmina pistiliforme (Ibidem: 50), o G.IV à lâmina de base
alargada (Ibidem: 51) e o tipo G.V à lâmina de gumes paralelos (Ibidem). O tipo
G.III (Fig. 10, 37) encontra-se representado apenas por um exemplar cuja lâmina
apresenta um comprimento máximo de cerca de 24 cm, uma largura máxima de
4,8 cm e uma secção esteliforme. Este tipo de lâmina está documentado desde o
século III a.C. até contextos imperiais romanos (Ibidem: 50) o que não oferece
grande interpretação cronológica. No caso do exemplar de Vaiamonte, e se nos
socorrermos de outros artefactos metálicos recolhidos no mesmo contexto
estratigráfico (Sonda X, camada B, 2,20 m) encontramos um fragmento de fecho
de cinturão com decoração em opus interrasile (a mesma técnica utilizada numa
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1349
presilha de junção de arreios de cavalo achada no Castelo da Lousa; Ruivo 2010:
501) que parece ser semelhante a alguns recuperados em um dos acampamentos do cerco de Numancia III (Luik 2002: 55, abb. 79, C 59-61; Bishop 1993:
62, 31-3).
Os dois exemplares de lâminas de base alargada (Kavanagh 2008: 51), tipo G.IV
(Fig. 10, 38) apresentam um comprimento máximo de lâmina de 17 cm e 12 cm
(no caso do exemplar fragmentado), largura máxima de 4,55 e 3,5 cm e secções
esteliforme e plana. Curioso será notar que este tipo de lâmina é geralmente
associada a empunhaduras de arestas e surge intimamente relacionada à área
celtibérica com cronologias do século II e I a.C. (Ibidem). O último tipo de lâmina,
G.V encontra-se representado por dois fragmentos (Fig. 10, 39) de lâminas de
gumes paralelos (Ibidem). Estas lâminas são as menos documentadas nos
punhais bidiscoidais e no caso dos exemplares apresentam um comprimento
máximo de lâmina de 18,6 (no caso do exemplar fragmentado) e 16,3 cm, largura
máxima de 4,5 e 4,15 cm e secções esteliforme e lenticular. Este tipo de lâmina
não aparece em contextos extrapeninsulares e encontra-se datada de meados do
século III a inícios do I a.C. (Ibidem: 52).
Foram ainda recuperados em Cabeça de Vaiamonte 15 fragmentos de baínhas de
liga de cobre que poderiam pertencer aos punhais bidiscoidais, bem como
elementos decorativos de baínha. As baínhas de liga de cobre correspondem aos
odelos ditos celtibéricos de vai a de añas (Ibidem: 61, fig. 17). A baínha
era então composta por laterais e liga de o re de se ç o e
U que seriam
rebitadas ao elemento perecível (provavelmente couro) e contavam com duas
placas rectangulares (pontes) na zona superior que funcionariam como agarradores e também para fixação de argolas (no nosso caso de ferro) para suspensão
da arma no cingulum. Com alguns fragmentos provenientes do mesmo contexto
estratigráfico foi possível efectuar uma reconstituição da baínha, tendo por base
a placa rectangular (ponte) que apresenta nas suas dimensões, a largura máxima
da lâmina (Fig. 10, 40). Entre as argolas de suspensão e o cingulum poderiam
Fig. 11.— Fragmento de empunhadura de arestas de punhal
bidiscoidal (36) de tipo G.II
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recorrer a elementos decorativos de baínha. Foram assim identificados seis
elementos de liga de cobre (Fig. 10, 41), volutados, muito semelhantes aos do
exemplar de Velsen (Bishop e Coulston 1993: 76, fig. 40, nº 2c).
A associação do punhal bidiscoidal à falcata, arma ibérica por excelência, surge
em alguns contextos das guerras sertorianas como em Cáceres el Viejo (Ulbert
1984: tafel 25, 195-199, 201) ou La Caridad (Quesada 1997: 82). Tal como
observado por María Paz García-Gelabert (2002: 508), as armas iberas e
celtibéricas surgem representadas na plástica não só na época de esplendor
ibérica, mas também na romanização. Nos relevos de Osuna vêm-se soldados,
infantes, provavelmente auxilia a empunharem a falcata e pelas descrições de
Séneca sabemos que esta continua a ser utilizada pelo menos até meados do
século I a.C. (Quesada 2008: 18). Em Cabeça de Vaiamonte foi possível identificar
um fragmento de guarda-de-mão lateral de uma falcata (Fig. 10, 42) que aqui
designaremos de tipo H. Trata-se de uma pla a de ferro urva de perfil e
L
com dois orifícios para rebites circulares em que uma das extremidades
conservadas apresenta um aplique decorativo/agarrador de secção ovalada oca
que rodeia a guarda. No espaço oco entre estes elementos é visível a existência
de vestígios de material perecível (madeira ou material osteológico). A ausência
de contexto estratigráfico não auxilia a correcta interpretação cronológica, no
entanto, e tendo por base os mapas de dispersão dos achados de falcatas em
território peninsular (Quesada 1997: 77-78, fig. 16-17) podemos aferir que é
mais provável que este se trate de um exemplar mais tardio, enquadrável entre
250 e 50 a.C. como os exemplares recuperados em Alto Chacón, S. Antonio de
Calaceite, Azaila, Osma, Tesoro de Carabias, Dehesa del Rosarito, Castrejon de
Capote, La Caridad (Teruel) e Cáceres el Viejo (Ibidem: 82).
Foram ainda identificados inúmeros fragmentos de lâminas de secção lenticular
e outras nervuradas que pelo seu estado de conservação não permitem uma
correcta categorização. Um dos exemplares de interpretação duvidosa, que em
muito se deve ao seu estado de conservação, trata-se de um fragmento de
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lâmina de perfil triangular e de secção lenticular engrossada que se encontra
conservada no seu comprimento máximo (27 cm), com espigão para
encabamento de empunhadura de secção quadrangular (Fig. 10, 43). Apesar de
ser semelhante aos famosos gladius hispaniensis (ombros ligeiramente descaídos
e espigão) – veja-se a título de exemplo o de Urso (Quesada 2008: 15), a verdade
é que não oferece nem o perfil, nem o comprimento necessário para integrar a
sub-categoria das espadas. Para além disto também se afasta de todos os tipos
de punhais conhecidos em território peninsular (Quesada 1997: 280, fig. 164),
apesar de semelhante a um exemplar augustano recuperado no forte britânico
de Kingsholm (Bishop e Coulston 1993: 75, fig. 39, nº 6). A julgar pelas suas
características é bastante plausível que se trate de um punhal, apesar de um
exemplar semelhante recuperado em Numancia IV (Luik 2010: 235, abb. 198, nº
271) ter sido descrito como utensílio de carpinteiro (lima paralela).
Fig. 12.— Equipamento militar: estacas (I.A-F)
3. OUTRO EQUIPAMENTO MILITAR
Dentro da panóplia de instrumentos que um legionário do exército romano
transportava às costas na sua sarcina, e que se calcula que tivesse um peso
superior a 40 kg, encontra-se um variado conjunto de elementos, desde a baixela
metálica aos utilitários agro-florestais como a dolabra. Outros elementos bem
conhecidos em contextos militares/ ilitarizados ro a o-republicanos são as
estacas de ferro associadas às tendas de campanha, veja-se os casos de Lomba
do Canho (Fabião 2007: 124, fig. 4), Castelo da Lousa (Ruivo 2010: 515, est.
CLXVI, nº 106), Numancia e Cáceres el Viejo (Bishop e Coulstom 1993: 63, fig. 32,
nº 5-9). No caso de Cabeça de Vaiamonte foram identificadas 96 estacas de
forma bastante variada (tipo I.A-F): tanto nas secções de haste e terminal como
na forma do olhal (Fig. 12). Alguns exemplares conservam as argolas de suspensão no interior dos olhais e a forma das hastes varia essencialmente entre as
estacas direitas e as de virote. O peso médio das estacas que apresentam perfil
completo situa-se nos 77 gr e o comprimento máximo varia entre 15 e 16 cm.
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Outros elementos relacionáveis com a acção militar são as algemas (manicae) ou
grilhões. Admitindo que algumas peças poderão ter servido como grilhões para
gado, a verdade é que as algemas e os grilhões são comuns em contextos
romanos e em Renieblas a sua função é mesmo associada aos prisioneiros de
guerra (Luik 2002: 103). O mesmo poderá ter sucedido em Cabeça de Vaiamonte
onde foram recuperados cinco fragmentos de algemas/grilhões e 14 fragmentos
de correntes de ferro. No caso das algemas/grilhões propriamente ditos podemos distinguir dois tipos distintos: o de argola móvel com dois braços sujeitos
por rebite com corrente associada (J.I) e o de argola fixa com olhais nas
extremidades com cadeado associado (tipo J.II). Entre os romanos estes objectos
não estão somente relacionados com a escravatura pois também foram usados
como método disciplinador.
As algemas/grilhões de tipo J.I (Fig. 10, 44-45) são compostas por argola de dois
braços ligados pelos olhais (que poderão ou não ser rebitados) e que nos outros
olhais estariam em conexão com uma corrente de dimensão variável, formada
por ele e tos id ti os de perfil e
. Estas alge as s o relativa e te
comuns em contextos romanos peninsulares, com dois exemplares identificados
em Numancia IV/Renieblas (Luik 2002: 237, abb. 202, nº 312-313), onde poderão datar de finais do século II- inícios do I a.C.; com um fragmento em Conímbriga (Alarcão et al. 1979: pl. XLVII, 175) e com outro possível exemplar em Monte Molião (Sousa et al. 2012: no prelo) possivelmente datado do último quartel
do século II a.C.
O tipo J.II encontra-se representado em Vaiamonte apenas por um exemplar
(Fig. 10, 46) composto por argola sub-circular com extremidades aplanadas com
olhais circulares no centro das mesmas. Conserva-se ainda parte doselementos
de travão que provavelmente se relacionariam com uma argola giratória (foram
identificadas três argolas deste tipo) e um cadeado, que não se conservou. Este
tipo surge não só em contextos romanos como em alguns espaços com influência
de La Tène, como Bibracte, onde dá origem a um tipo específico galo-romano
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Fig. 13.— Equipamento militar: signum eqvitvm (?) e reconstituição
(tipo Bavay). Também surge em contextos mais tardios (século I-III d.C.) na
Bretanha (Thompson 1993: 117) e na Germânia, como o exemplar do depósito
de Neupotz.
Entre o espólio artefactual metálico surge ainda um fragmento de um possível
signum equitum (Fig. 13) semelhante aos exemplares de Arcóbriga, Quintanas de
Gormaz ou Osma-11 (Lorrio 2010: 446). Trata-se de um exemplar simples, de
ferro, sem decoração, com extremidade distal bifurcada com terminações em
voluta e de reduzida dimensão, o que torna difícil a sua interpretação. Este
estandarte celtibérico encontra-se genericamente datado entre 250 a.C. até às
guerras sertorianas, como o exemplar de Cáceres el Viejo (Ibidem: 442). No
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entanto, este modelo mais simples parece ser característico dos exemplares mais
antigos, datados entre 250 e 200 a.C, com paralelo em Arcóbriga, Quintanas de
Gormaz e Osma, embora a dimensão seja bastante superior à desses exemplares
e mais próxima do exemplar de Cáceres el Viejo.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS PARA UMA LEITURA DE CONJUNTO: AS ARMAS NO
SUDOESTE PENINSULAR ENTRE DUAS GUERRAS CIVIS ROMANAS
O conjunto de armas provenientes de Cabeça de Vaiamonte enquadráveis no
período romano-republicano ilustra a esmagadora utilização do ferro como
matéria-prima (93%), bem como a supremacia dos achados de armas ofensivas
(96%) face às defensivas (Fig. 14). Os contos e pontas de lança oferecem o maior
conjunto, seguidos dos punhais bidiscoidais, pontas de seta, pila e dardos.
Para além das evidentes semelhanças do conjunto com o armamento
recuperado em Cáceres el Viejo (Ulbert 1984) e datado do período das guerras
sertorianas, também o armamento de Castelo da Lousa (Galamba 2008; Ruivo
2010) oferece algumas semelhanças. Não obstante, neste último não terem sido
recuperados quer falcatas quer punhais bidiscoidais (que são as principais
ausências em contextos cesarianos), a verdade é que o carácter militar/
ilitarizado e período tardo-republicano parece evidenciado tanto pelo
espólio depositado no Museu de Évora (Galamba 2008: 24-27) como naquele
que foi exumado nas escavações mais recentes (Ruivo 2010), o qual integra:
pontas de seta com espessamento central, ponta de lança com aresta, contos de
lança, pontas de seta de espessamento central, dardo incendiário, glandes
plumbeae, um pilum e um projéctil de artilharia de torsão. Tanto este projéctil de
artilharia de tors o, ue foi erro ea e te des rito o o po ta de la ça
(Galamba 2008: 27) como o pilum, o dardo incendiário ou o conjunto de projécteis de funda favorece a hipótese da presença de um contingente militar romano
extra-peninsular (vide supra 2.3). A presença deste armamento, em especial do
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projéctil de artilharia de torsão, do dardo incendiário e das glandes plumbeae,
o traria a teoria de ue estas ar as
o seja
e essariamente de uso
ilitar (Ruivo
:
u a vez ue este tipo de ar a e to é re o he ido
como indicador da presença de tropas romanas ou auliares não-hispanas
(Quesada 2008: 17). A recolha de um denário de César e de um asse de Lépida/
Celsa no interior do edifício central do Castelo da Lousa poderá apontar para um
momento contemporâneo, ou ligeiramente posterior à guerra civil cesariana,
uma vez que o abandono do local ocorre entre o último quartel do século I a.C. e
o período augustano (Fabião 2007: 121).
Cabeça de Vaiamonte deverá ser, como descrito por Carlos Fabião, um exemplo
da utilização dos aglomerados indígenas pelos destacamentos militares romanos
(Ibidem: 128). Sendo que, muitas das armas que aqui foram descritas (como a
Fig. 14.— Gráfico quantitativo dos diferentes tipos de armas e equipamento militar recuperados em Cabeça de Vaiamonte e considerados neste artigo
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falcata ou o punhal bidiscoidal) podem ser uma prova da existência de indígenas
nas tropas auxiliares. Desde o início da romanização, existem hispanos nos
exércitos, bem como mercenários e auxilia, voluntários ou forçados (GarcíaGelabert 2002: 505).
O conjunto de armamento aqui recuperado parece enquadrar-se na proposta de
uma ocupação militar no 1º quartel do século I a.C., e por esse motivo enquadrável no período das guerras sertorianas, encontrando notórias semelhanças
com as armas de Cáceres el Viejo (Fabião 2007: 130). Não obstante, esta nova
análise parece revelar algum espólio, se bem que de expressão diminuta,
atribuível a meados – 3º quartel do século I a.C. e com o qual se poderia
extrapolar uma continuidade na ocupação militar/ ilitarizada deste lo al por
altura das guerras entre César e Pompeu (c. 49-45 a.C.). Esta hipótese surge
sustentada pela presença do capacete de tipo Buggenum, datado genericamente
de meados do século I a.C., e que havia sido recolhido fortuitamente no sopé do
cabeço. Se bem que este capacete aparece num provável contexto ritual junto a
um curso de água, a verdade é que no contexto das escavações foram
recuperadas duas ponteiras de capacete atribuíveis a esta mesma tipologia. Para
além destes dados há ainda que considerar: a possível inscrição no projéctil de
funda associada à Legio X Equestris (61-45 a.C.), algumas fíbulas de tipo Nauheim
de produção gálica entre 75 e 10 a.C., os dois asses de Cneus Magnus Imperator
e outros dois asses de Lépida Celsa em cunhagem bilingue atribuída aos
pompeianos.
Desejo expressar o meu profundo agradecimento ao Museu Nacional de
Arqueologia que viabilizou este projecto de estudo; à orientação do Prof.
Dr. Carlos Fabião; ao Prof. Dr. Michel Feugère pela bibliografia facultada;
à partilha de informação do Dr. João Pimenta e Dr. Henrique Mendes; ao
Dr. João Almeida por ter realizado todas as fotografias aqui apresentadas.
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